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Um Desejo de Natal: O Reagrupamento Familiar como a Melhor Prenda



Introdução


O que mais poderá desejar um imigrante em Portugal durante as festas de fim de ano?


Naturalmente, a lista de anseios pode ser extensa. Ainda assim, atrevo-me a afirmar que conseguir um agendamento – sobretudo quando, há já dois meses, não são abertas novas vagas para requerer autorização de residência ou prorrogar a permanência em território nacional – figure entre as prioridades de muitos estrangeiros.

Não obstante, há um direito que vem sendo muitas vezes esquecido ou limitado na prática em Portugal e que poderia mudar a vida de inúmeras pessoas que escolheram este país como o seu lar: o reagrupamento familiar.


Neste artigo, proponho-me a apresentar algumas notas sobre o direito ao reagrupamento familiar em Portugal e a forma como tem sido aplicado, na expectativa de que, no Natal de 2025, mais residentes estrangeiros possam gozar da companhia dos seus familiares de modo regular e ordenado.

 


O direito ao reagrupamento familiar


Os principais instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos impõem limites significativos a atuação dos Estados em prol da família, reconhecida como núcleo essencial da sociedade.


Neste artigo, a Professora Ana Rita Gil destaca que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e os Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) reconhecem a família como elemento natural e fundamental da sociedade, exigindo proteção estatal. Contudo, não estabelecem expressamente um direito individual ao reagrupamento familiar. A Convenção n.º 143 da OIT incentiva os Estados a adotarem medidas de facilitação do reagrupamento familiar para trabalhadores migrantes, mas não impõe obrigações vinculativas. A Convenção dos Direitos da Criança (CDC) de 1989, embora não trate diretamente do reagrupamento familiar, contém disposições relevantes, estabelecendo, por exemplo, que a criança não deva ser separada dos pais contra a sua vontade (salvo em situações excecionais); que os pedidos de reunião familiar devam ser tratados de forma positiva, célere e humanitária; ou mesmo a proibição das interferências arbitrárias na vida familiar das crianças, consagrando o princípio do superior interesse da criança como critério primordial em todas as decisões que a afetem.


Contudo, a referida autora chama à atenção o facto de que, apesar da relevância destes instrumentos internacionais, a sua aplicabilidade prática é limitada. Muitos carecem de mecanismos eficazes de monitorização, sofrem de baixa adesão por parte dos Estados ou contêm cláusulas derrogatórias que enfraquecem a sua eficácia. Nenhum destes instrumentos estabelece expressamente um direito individual ao reagrupamento familiar, refletindo a vontade dos Estados de manter discricionariedade nesta matéria. Contudo, há u princípio geral que sempre deve ser obedecido, de que o reagrupamento familiar não deve ser restringido de forma arbitrária.


No mesmo sentido, a Professora Constança Urbano de Sousa, neste capítulo, ressalta que, no Direito da União Europeia, a Diretiva 2003/86/CE regula o reagrupamento familiar de nacionais de países terceiros, restringindo-o essencialmente à família nuclear e sujeitando-o a condições adicionais, como meios de subsistência, alojamento adequado e integração. No Direito Português, os nacionais de países terceiros têm igualmente direito ao reagrupamento familiar, abrangendo cônjuges, filhos menores ou dependentes, ascendentes a cargo e, em certas circunstâncias, parceiros de facto.


A autora também destaca que o direito ao reagrupamento familiar reflete a importância da unidade familiar no quadro dos direitos humanos, devendo qualquer decisão negativa ser fundamentada e ponderada face à solidez dos laços familiares e às circunstâncias concretas do caso.


 

O reagrupamento familiar em Portugal


No âmbito da Lei dos Estrangeiros Portuguesa (Lei n.º 23/2007, de 04 de julho), o direito ao reagrupamento familiar é atribuído a quem seja titular de autorização de residência de duração igual ou superior a um ano, como se pode também confirmar nestes comentários.

Nos termos da legislação em vigor, o reagrupamento abrange familiares que já se encontrem em território nacional, bem como familiares que ainda se encontrem fora do território nacional.


Cumpre realçar que este direito não é absoluto: a lei permite restringi-lo mediante critérios específicos, como os graus de parentesco elegíveis ou determinados requisitos de integração. Contudo, o facto de poder ser limitado por lei não significa que o reagrupamento familiar possa ser restringido de forma arbitrária ou desproporcionada.


Quem são os familiares elegíveis para reagrupamento familiar em Portugal?


No âmbito do reagrupamento familiar, a legislação portuguesa estabelece, de forma clara, quem pode ser considerado membro da família do residente para efeitos deste direito. Eis os familiares abrangidos:


  1. O cônjuge: O residente pode requerer o reagrupamento do seu cônjuge.

  2. Filhos menores ou incapazes: Incluem-se os filhos menores ou incapazes que estejam a cargo do casal ou de um dos cônjuges.

  3. Menores adotados: Os menores adotados pelo residente ou pelo seu cônjuge podem ser abrangidos, desde que a decisão de adoção tenha sido proferida pela autoridade competente do país de origem, seja reconhecida por Portugal e a lei do país de origem equipare os direitos e deveres dos adotados aos da filiação natural.

  4. Filhos maiores solteiros e estudantes: São abrangidos os filhos maiores, a cargo do casal ou de um dos cônjuges, que sejam solteiros e se encontrem a estudar em Portugal.

  5. Progenitores a cargo: Os pais do residente ou do seu cônjuge podem beneficiar do reagrupamento, desde que dependam economicamente do residente.

  6. Irmãos menores sob tutela: São elegíveis os irmãos menores sob tutela do residente, desde que tal tutela tenha sido atribuída por decisão de uma autoridade competente do país de origem e seja reconhecida por Portugal.

 


Os Desafios do Reagrupamento Familiar em Portugal


Atualmente, a prática em Portugal apresenta algumas limitações relevantes.

A plataforma eletrónica criada com vista ao reagrupamento familiar tem enfrentado dificuldades desde a sua implementação.


Inicialmente, apenas era possível registar o pedido de reagrupamento familiar se os membros do agregado familiar comprovadamente estivessem já em território nacional à data do requerimento, e se existisse pelo menos um menor de 15 anos nesse agregado.

Posteriormente, a plataforma foi ajustada, passando a admitir menores até aos 18 anos (não completos). Esta alteração valoriza de forma correta o superior interesse da criança, possibilitando que aqueles que reúnem as condições legais obtenham autorização de residência em Portugal quando se juntam aos seus familiares.


Contudo, para famílias constituídas somente por adultos, a plataforma não se encontra disponível, impondo restrições sem fundamentação jurídica clara. Mais preocupante ainda é o facto de a plataforma não aceitar o Cartão de Cidadão, vedando assim o seu uso a cidadãos portugueses que pretendam reagrupar familiares estrangeiros.


A plataforma continua igualmente a limitar o acesso aos membros de família que se encontrem em Portugal. Para os que estejam no estrangeiro, a via a seguir é mais complexa: o titular (ou futuro titular) de uma autorização de residência tem de conseguir um agendamento presencial junto da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo). Uma vez deferido o pedido apresentado presencialmente junto da AIMA, o Consulado português do país de origem é informado, para que os familiares apresentem os passaportes e, se tudo correr bem, lhes seja concedido um visto com data de agendamento na AIMA. Em solo português, poderão finalmente requerer as respetivas autorizações de residência.


Em teoria, o procedimento não é excessivamente complexo. Na prática, porém, complica-se pela ausência de informação pública e transparente sobre as datas de abertura de vagas de agendamento, bem como o número de vagas disponíveis para renovação de vistos, autorizações de residência ou cartões de familiar de cidadão da União Europeia. Cidadãos portugueses, de outros Estados-Membros da UE ou de países terceiros veem-se obrigados a esperar, aguardando notícias – muitas vezes por canais informais – para ligar incessantemente para a linha telefónica da AIMA em busca de um agendamento.


A última abertura de vagas ocorreu em finais de outubro de 2024. Desde então, e ao longo das festividades de fim de ano, muitas pessoas - nacionais ou estrangeiras - permanecem a aguardar a possibilidade de iniciar o processo de reagrupamento familiar, na esperança de reunirem as suas famílias já em 2025.


Esta espera, desprovida de fundamento legal específico, limita o acesso ao direito ao reagrupamento familiar. Tal posição foi corroborada pelos tribunais portugueses no final de 2024.


Em 19 dezembro de 2024, o Tribunal Central Administrativo Sul, neste acórdão, estabeleceu que, numa situação em que um pedido de autorização de residência se encontrava “parado, sem fundamento legal”, por motivo não imputável ao estrangeiro, que dependia de uma atuação da AIMA, sem a qual a tramitação do procedimento não pode prosseguir e sem a qual a própria AIMA não poderia decidir, que existia uma limitação arbitrária do exercício do seu direito (de requerer uma autorização de residência para si e o reagrupamento apara os seus familiares). Neste caso, os juízes desembargadores acharam por bem que a AIMA deveria possibilitar e proceder ao agendamento num dos locais de atendimento presencial para que os pedidos pudessem ser formalizados.


Ainda que o referido acórdão seja sobre um pedido de reagrupamento no âmbito de uma autorização de investimento, que conta com um procedimento prévio diverso dos outros tipos de autorização, é imperioso destacar a importância dada ao reagrupamento familiar, que está preterido devido à inércia administrativa. Tal inércia pode consubstanciar uma omissão arbitrária, que limita de forma desproporcional o princípio da reunião familiar e o direito ao reagrupamento familiar.

 


Considerações Finais


O reagrupamento familiar é um direito previsto na Lei dos Estrangeiros, mas tem enfrentado entraves práticos significativos em Portugal, não apenas pela limitação de acesso às plataformas e agendamentos, mas também pela falta de transparência no agendamento de vagas. Estas limitações afetam diretamente as vidas dos imigrantes, expatriados e das suas famílias, muitas vezes impedidos de celebrar as festividades juntos.


A decisão recente do Tribunal Central Administrativo Sul é, sem dúvida, um sinal de esperança de que práticas desproporcionadas poderão ser corrigidas, reforçando a necessidade de assegurar um processo transparente, regular e eficaz para quem deseja exercer este direito fundamental.


Que em futuros Natais – e não só – muitos estrangeiros residentes em Portugal possam, de facto, reunir-se com os seus familiares, concretizando o desejo de um reagrupamento familiar digno e em conformidade com a lei.


O Departamento de Contencioso em Direitos Humanos da FiO Legal continuará certamente a apoiar os seus clientes, através de canais administrativos e judiciais, para que possam gozar dos seus direitos em Portugal.



 By Emellin de Oliveira

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